domingo, 4 de agosto de 2013

Servirá?

Do que serve o cantor sem a voz?
Do que serve o pintor sem a arte?
Do que serve o barco sem o mar?
Do que serve a letra sem a palavra?
Do que serve a luz sem a escuridão?
Do que serve o abraço sem o chamego?
Do que servo o colo sem o cafuné?
Do que serve o sorriso sem os olhinhos fechados?
Do que serve o amante sem o amor?

sábado, 11 de maio de 2013

O som que o vento tem


A pele roxa, espancada, agora sangrava. Nela, as marcas de minutos atrás. Passou? Corria desesperadamente ao encontro de qualquer pessoas que a fizesse parar de chorar. A casa, antes mobiliada, estava agora aos destroços. Na sala, o sangue, as almofadas rasgadas e o amor morto, caído. A rua era grande e por desconjuro, o desespero para que ela acabasse também. Corri, corri e corria. Caiu. Ralou-se um pouco mais, mas prendeu o choro. Não sabia para onde ir e foi assim, sem saber onde parar, que caiu mais uma vez. Quantas quedas em um dia só, meu Deus. Que desespero. 

A fé, única inteira nessa caçada, não cansava. Preenchia o coração e, rapidinho, fazia sarar a dor. Finalmente, a rua, sim, ainda ela, havia acabado. Acabou-se a rua, mas e o resto? Não tinha tempo pra pensar. Lá do alto respirou fundo e descansou. Caiu. No caminho até o chão penso no quanto iria doer. Afinal, ainda poderia sentir mais dor?

Caiu. Dias depois foi encontrada. Garanto, se viva estivesse, iria preferir que a deixassem ali. Esquecida, caída, suja e sorridente. Com o rosto manchado de sangue, um dente partido, mas feliz. Levaram-na de lá, pra infelicidade da, agora, defunta. Dessa vez não poderia correr, gritar, chorar ou mesmo sentir dor. Colocariam um vestido preto e depois iriam fazê-la deitar em uma caixa e pronto. Presa pra sempre, sem sentir o vento bater no resto. 

quarta-feira, 1 de maio de 2013

Amanhecer


Os olhos correm pelo espaço vazio na sua procura. Ou melhor, procurando algo que te traga até aqui. Um defeito qualquer, um conserto torto, um concerto pronto. Mas agora amanheceu. Fez-se claro da sua ausência, da minha dor. Há aqui a emergência, agora, de um novo gostar que vá varrer os cacos caídos da noite de espera.
Novos sentimentos loucos, novos motivos para, novamente, habitar o chão do quarto escuro e frio. Novos motivos para ter novos motivos para ter... esperança.
Observar o dia cair lentamente e surgir o primeiro fio de claridade. Fio mais fino do que a linha de cumplicidade e carinho que nos amarra, aperta e um dia, depois de tanto angustiar, parti. O fio e você. Partem. Se põem. Escurecem.
Amanhecemos mais uma vez.

domingo, 28 de abril de 2013

Amores e abismos


O amor que nada espera, por consequência, nada pode dar. Porque, contradizendo o já dito, da expectativa nasce a vontade, o impulso. Para os que acreditam, onde, invés de terra, há a ideia, a vontade, a promessa, o abismo entre o realizar e o sonhar. Abismo, temo, profundíssimo. Uma vez lá, não há mais caminho de volta.
Mergulhar assim, sem medo - ou mesmo cheio deles - é irracional. Ótimo. Racionalidade, nem de longe combina como amor. Aliás, racionalidade para quê? O racional não se joga no abismo. Muito pelo contrário, constrói pontes seguras e firmes para outros caminhos. Caminhos de novas expectativas e assim, coitados, tanto esperam e, no final, calados, desfazendo o que foi cantado pelos hermanos, não são coroados como nada.
Cavar abismos todos e dias e de lá de cima despencar, é isso o que eu quero. Cair e, feliz da vida, nunca mais voltar.

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Carta ao amante II


E continuou a escrever, coitado, como se alguém, algum dia, fosse ler:

"... talvez, pra lá de Bagdá, em meio a tanta bomba, nosso amor, meu amor, vá reinar. Reino, logo te aviso, sem súdito. Apenas dois escravos, surrados, cansados e, costumeiramente, maltratados. Eles querem somente um pouco de água, descanso e calma.
Falta um pedaço em cada um. Um pedaço do o outro. O outro que, do outro lado, vai indo pra longe, mais longe e longe... nosso carinho é como pedra solta no rio. A correnteza leva pra longe, mas a água continua a tocar."

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Carta ao amante I


Na carta, escrita e reescrita tantas mil vezes, ele dizia:

"... amor, o mundo que eu tenho é o mundo que você me deu e, em verdade, te digo: sem você, nele não sei andar. As coisas sagradas, tão mais sagradas são se você as toca. E agora, por onde caminhar? Por onde caminhas?
Não é drama. Aliás, não é só drama. É drama também, drama e saudade, drama e paixão, drama e amor, é drama e qualquer coisa que você queira nomear. Mas, mais uma vez digo: não é só drama.
Não quero mais chorar e espero que essa carta chegue até você. Chegue molhada com as minhas lágrimas, borrada com o meu arrependimento e límpida como o meu amor. Não duvide, é límpido como água, conturbado como maré revolta. Nesse tempo longe, te pergunto: aprendeu a navegar? Espero que sim, quero - usando essa rima podre - ser eternamento o seu mar..."

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

A solitude pós-calmaria


Era como se fosse o sono após a tormenta, o abraço. Ele havia esperado tanto. Agora, longe, ele sentia o quanto fora recompensante, ele havia mudado o seu dia, quiça, sua semana. Um simples abraço, simples, mas cheio de medos, angústias e, ao fim, depois do aperto, a paz. 

Tentava, sem sucesso, coitado, lembrar do cheiro que havia sentido. Aliás, não havia cheiro. Ele queria, de todas as formas, lembrar de algo que marcasse: o calor, o aperto, o cheiro. Mas não, nada disso, pelo menos naquele momento, lhe vinha à memória. Que droga, era o que ele mais queria. 

Se nada além daquela sensação lhe vinha à mente, o que ele poderia fazer? Sentou no chão frio e chorou. Minutos disfarçados de horas correram, transcorreram da mesma forma que o choro, com dor e sem nenhuma complacência. O tempo não tem paciência para quem chora.